sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia de ghats, homens santos e cerimônias


Bom Dia!
O dia começou com planos de conhecer o ganges, afinal ele é por si só, a principal atração de Varanasi. A equipe do hotel que estamos, aliás altamente recomendável, nos deu um mapa da cidade, explicou sobre os pontos turísticos e como chegar até eles. Decidimos conhecer o ganges e suas ghats "by walk"! O nosso hotel fica justamente próximo à Asi Ghats, a mais meridional, ou seja, a primeira das ghats de Varanasi, que marca a confluência dos rios Asi e Ganges. Sendo assim, começamos do começo e fomos em frente... tínhamos cerca de 90 ghats, dispostas em mais de 6 km, para percorrer! Só para constar,  ghats são escadarias na beira do rio.
Cada ghat é de uma cor diferente e cada uma tem sua peculiaridade. Há ghats de banhos (fotos são proibidas nestas), ghats onde pode-se pegar barquinhos, ghats com templos, ghats com hotéis, ghats com comércio, ghats com piras funerárias, ghats de homens santos e ghats de aarti!
As ghats de banhos existem para demarcar os locais onde as pessoas podem se banhar nas águas do rio sem serem fotografadas, mas, na verdade, praticamente todas as ghats são de banho, uma vez que ao longo de toda a margem há pessoas tomando banho. Nós presenciamos dois tipos, aliás três, de banhos: o primeiro é o banho mesmo, destes que deveríamos tomar em casa, com sabonete, xampu, então... eles tomam no ganges; o segundo, é bagunça da molecada, que nada no rio como se fosse praia; o terceiro, é o banho ritual, banho sagrado de purificação. Os hindus acreditam que as águas do ganges são sagradas, capazes de lavar todas as impurezas e livrar as almas da roda de reencarnações, assim, existe uma forma de tomar este banho, que consiste em algumas mergulhadas, alguns golinhos e uma prece. Contando assim, parece bobo, mas é emocionante de ver! Uma demonstração de fé sem medidas!
As ghats onde se pode alugar barcos também são várias ao longo da margem. Barcos aqui servem pra muita coisa! Você pode fazer um passeio no nascer do sol, no poente, atravessar de um lado ao outro do rio, visitar o forte que fica na outra margem e até se acomodar para assistir a aarti (conto mais sobre isso jajá)! Vale dizer que tudo aqui tem um preço e é negociavel,  então, se for pegar um barco, combine muito bem antes!
Muitas ghats possuem templos no topo! Alguns são realmente bonitos de ver, mas a maioria é só para hindus, o que quer dizer que não podemos entrar, então vale a pena perguntar antes! Além dos templos, há lugares santos, como um poço aberto por Vishnu e um templo meio submerso pois caiu com seu peso, esses podem ser visitados por nós!
As ghats que abrigam hotéis e pontos comerciais em seus topos são várias... via de regra, se você subir a ghat e atravessar por dentro do comércio que lá estiver, vai sair em alguma rua ou beco comercial. Algumas pessoas sentam-se em restaurantes e lanchonetes no topo destas ghats para um chai ou um café... nós não arriscamos, vai que era de água sagrada né!? Muito perto!
Agora, um assunto a parte, as ghats funerárias! Eu tinha uma série de sentimentos em relação a estas ghats, achei que seria assustador, chocante, que teria cheiro de churrasco (como muitos dizem) e até mesmo que poderia ser meio macabro... bom, é preciso dizer primeiro que existem duas ghats funerárias e elas são diferentes. A primeira, pequena, sem dono, onde trabalham pessoas que cuidam dos preparativos e tudo mais; a segunda, é de uma família hindu que, há muitos anos, faz deste trabalho o seu negócio. Esta é muito maior, tem muitos funcionários e, sim, chega a ser um pouco assustadora. Na primeira ghat funerária que passamos, era como se fosse só mais uma ghat! Havia um ambiente calmo e sereno como em toda extensão do rio, pessoas trabalhavam embrulhando os corpos em tecidos coloridos, lavando no ganges e colocando para queimar em meio a rituais e orações... tudo muito tranquilo e natural, como deveria ser o fim desta existência! Vale lembrar que os hindus acreditam que ser cremado na beira do ganges e ter suas cinzas espalhadas nele, liberta da roda das reencarnações. Aqui, era possível ficar horas observando. Não havia nada feio ou assustador, os corpos queimavam envoltos em tecido, então não se via muita coisa... também não havia cheiro nenhum, a não ser de fumaça... serenidade, acho que esta é a palavra desta pequena ghat.
Já na segunda, é tudo diferente. Para começar, enquanto a primeira tinha umas seis piras queimando ao mesmo tempo, essa aqui tinha mais de vinte! Parecia uma linha de produção, as pessoas pareciam não ter o mesmo cuidado e respeito, haviam corpos no chão esperando pelo preparo e muitos animais rodeadavam o lugar, até mesmo se alimentando das flores que deveriam ser colocadas nos corpos... havia muita e muita e muita madeira empilhada por todos os lugares, não cheirava nada também, mas havia muita fumaça e mesmo as construções em volta eram pretas de fuligem. Aqui, pessoas queriam cobrar para que assistíssemos as cerimonias, queriam que subíssemos em uma construção abandonada, de onde, supostamente, a vista era melhor. Ahã, demos o fora dali rapidinho.
Nos dois lugares, a morte parece ser encarada somente como consequência natural da vida, na verdade, é uma honra morrer e ser cremado ali... pessoas trazem seus mortos de diversos lugares do país e as ghats funcionam ininterruptamente! São lugares serenos! A única diferença, é que a segunda ghat acaba sendo mais comercial, mais processual do que a primeira... pelo menos foi nossa impressão. Daqui, fica a certeza que não queremos ser enterrados, mas sim cremados e que a morte é só a consequência natural da vida, que chegará hora ou outra... não existem cheiros, imagens ruins ou assutadoras, só a serenidade!
Bom, e o que são ghats de homens santos? Primeiro, quem são estes homens santos?
Os homens santos de Varanasi, na verdade da Índia, são homens que dedicam suas vidas para estudar o hinduismo. Eles abdicam de qualquer outra coisa, não trabalham formalmente, não têm família e vivem, a maioria, na beira do ganges estudando. O povo diz que dominam o sânscrito, que conhecem as histórias, mantras, orações, tudo, absolutamente tudo sobre o hinduísmo. Assim, algumas ghats se transformam em morada de homens santos. Eles montam barracas que servem de casa, vivem de doações e consultorias, alguns não vestem roupas e os que vestem, só vestem a cor laranja. Andando por estas ghats é possível ver rodinhas de homens santos conversando, rezando e fumando, rodinhas de homens santos e pessoas normais que vão até eles pra se consultar e até pessoas que os reverenciam, tocam seus pés como se eles fossem os próprios deuses! É interessante de ver! Ah, em conjunto com os homens santos, existem também centro de estudos na beira do ganges, em algumas ghats. Nestes lugares, aparentemente só são aceitos homens, que se dedicam a estudar para tornarem-se santos. Todos vestem roupas laranjas e são eles que fazem as aartis.
E o que são aartis?
São cerimônias que acontecem diariamente ao amanhecer e ao entardecer na beira do ganges, em homenagem aos deuses e ao próprio rio. São feitos rituais com velas, flores, incensos... tudo ao som de uma música alegre e contagiante e sempre assistido por centenas, talvez milhares de pessoas. Ao final das aartis, é hora de colocar seu barquinho com flores, vela e doces no rio, como uma oferta... fica lindo, tudo iluminado com pontinhos de luz! Nós fomos de barco ver a aarti do entardecer e posso garantir que foi uma das coisas mais bonitas que já vi, cheia de energia boa! No fim, colocamos nossos barquinhos longe de lá, para que os barcos grandes não os afundassem, mas o vento não queria muito deixar nossas luzes acessas, esperamos que valha a intenção!
Sobre Varanasi, ainda é preciso contar mais algumas coisas! Nos chamou a atenção que o comércio da cidade seja basicamente voltado para fé. Existe uma rua que sai da ghat principal e vai até o templo de Shiva, e nela há somente lojas que vendem produtos "de fé", como potes para levar água do ganges, doces, velas, incensos, flores... Varanasi praticamente sobrevive do comércio da fé!
Outro apontamento necessário é sobre o próprio rio. No Brasil, principalmente depois da novela Caminho das Índias, começaram a circular emails falando sobre a poluição do ganges, mostrando fotos em que pedaços de corpos, peixes mortos e outras coisas boiavam no rio. Nós não vimos NADA disso! Andamos toda a extensão do rio em Varanasi e, pelo contrário, o que vimos foram pessoas cuidando do rio... há um esquema de barcos de lixo que navegam o tempo todo com uma peneira grande (como as de piscina) recolhendo todo o lixo que estiver no rio! Tudo é recolhido, restos de flores, restos de barquinhos de oferenda, sujeira... TUDO! Quanto às cremações, as piras são queimadas completamente, até só restarem cinzas e, as famílias ficam aguardando para que depois possam espalhar as cinzas no rio. Resumindo, não vimos NADA boiando no rio e não há sequer cheiro de poluição! É óbvio que ele é poluído, deve haver toda a sorte de micro-organismos nele e tudo mais... mas, visualmente não há lixo ou outras coisas boiando e, aliás, parece mais limpo do que o Tietê, já que as pessoas aqui cuidam do rio!
Por fim, hoje conhecemos duas pessoas muito bacanas, o Mike e a Nicole, novos amigos americanos que foram conosco na aarti, pelejaram conosco contra o vento que queria apagar a lamparina de nossos barquinhos e depois no acompanharam no jantar!
Boas surpresas de viagens!  
Dia longo, mas prazeroso!
Até amanhã! Namastê!  

Nenhum comentário:

Postar um comentário